quarta-feira, 19 de março de 2008

Monotonia


A fumaça desenha formas no ar como bailarinas dançando livres no espaço vicioso de um cigarro acesso na ponta de um outro recém-fumado. Maria Bethânia canta alto, com toda força no rádio. A televisão, muda, projeta sombras sobre o tapete vermelho. Jorge Amado, sobre o pequeno banco de plástico branco, me seduz - acabei de ler um capítulo e, como sempre, tenho vontade de lê-lo ávido, de uma vez só, até o final. No entanto me pego pensando em você.
Mais um gole de vinho barato. Seu rosto me volta à memória, aparece e some entre as evoluções da fumaça que parece querer dominar toda a sala. Como você, como a vontade de possuir-te que me devora por dentro inteiro.
“Primeiro você me azucrina, me entorta a cabeça...” Não seria fácil se não temêssemos o que os outros podem pensar?
“Num jogo de culpa que faz tanto mal...” Acabo de pensar em seu último gesto. Um gesto de negação. Terias negado a mim, a ti, a nós dois ou o que há de mais íntimo e precioso, a felicidade?
“E esta vida da gente gritando que não...” Desisto de me martirizar, acho que você vale toda vergonha, todos os olhares atravessados e nosso amor sendo tachado de anormal, no entanto não sou capaz de aceitar sua hesitação, sua covardia.
Poderia agora encostar minha cabeça em seu ombro e deslizar lentamente meus dedos por sobre seus músculos cansados e dormir com a certeza de sermos normais, apenas mais um casal apaixonado. Acendo mais um cigarro. Sou apenas um homem, mais um. A beleza da humanidade é a singularidade do indivíduo. Talvez o que não perdôo em você é me fazer pensar que sou errado, justamente onde o certo e o equivocado não existem. Silêncio. O CD acabou meu vinho também. Desligo a TV. Pego Os Pastores da Noite, a fumaça me inebria. Mergulho nas desventuras da Bahia de Todos os Santos e dentro de mim rogo a eles que te abram, suavizem o coração.

Numa onda meio tristonha em 30/12/05.

1 Comment:

Adilson Jr. said...

A monotonia não é uma mera questão de se acomodar e esperar o tempo passar levando consigo a tão cara rotina.
É descobrir nossa essência no momento em que é mais propício...a solidão!
...

Bem, aos cumprimentos formais: "Olá, Tudo bem?"
...

Obrigado pelos elogios ao meu blog. Já esperava sua visita. Seus textos também são muito bons contruídos numa linguagem expressiva e imagética de teor intenso sem ser piegas...Parabéns!!

Tenhas certeza que reservarei um tempinho pra passar por aqui...

Abraços