quarta-feira, 17 de junho de 2009

A Quem Está Longe

Era um rapaz

Estranho e encantador rapaz
Ouvi que andara a viajar, viajar
Toda a terra e o mar
Menino só e tímido
Mas sábio demais.


Eis que uma vez
Num dia mágico o encontrei
E ao conversarmos lhe falei
Sobre os reis, sobre as leis, e a dor
E ele ensinou
Nada é maior que dar amor
E receber de volta o amor.


Música "Nature Boy (Encantado)" de Eden Ahbez, versão por Caetano Veloso

quarta-feira, 11 de março de 2009

Poema Inocente

Mais uma noite triste
E essa chuva que não vem
O pensamento vai longe, vai alto
Coração buscando meu bem.

Uma noite de ar pesado
Esse verão avassalador
que confunde, subjuga tudo
Menos essa fina e insitente dor
Que não larga meu peito arrasado.

Desse mal da alma causado
pela infame palavra amor.

domingo, 2 de novembro de 2008

Canção para uma manhã singelamente perfeita

A Voz De Uma Pessoa Vitoriosa
Maria Bethânia
Composição: Caetano Veloso / Waly Salomão


Sua cuca batuca
Eterno zig-zag
Entre a escuridão e a claridade
Coração arrebenta
Entretanto o canto aguenta
Brilha no tempo a voz vitoriosa
Sol de alto monte, estrela luminosa
Sobre a cidade maravilhosa
E eu gosto dela ser assim vitoriosa
A voz de uma pessoa assim vitoriosa
Que não pode fazer mal
Não pode fazer mal nenhum
Nem a mim, nem a ninguém, nem a nada
E quando ela aparece
Cantando gloriosa
Quem ouve nunca mais dela se esquece
Barcos sobre os mares
Voz que transparece
Uma vitoriosa forma de ser e viver.



"Eita felicidade matinal de pupilas dilatadas que não passa, sô!"

Ácido


Quando, no nascer da manhã, surgem corpos cheios de sol e de vida para viver o novo dia, ele ainda nem dormiu, mas não faz diferença.
Tudo está mais vivo, colorido e, de alguma forma, cada coisa está em seu lugar: o homem correndo sob o sol, o casal com o carrinho de bebê, o velhinho do outro lado da rua. Tudo funcionando como um filme americano... desses com final feliz.
Mas não se trata de um final. É um começo, o nascer de um dia e, voltando da lapa (que esta noite lhe parecera incrivelmente iluminada) acha que caminhar ao longo da Avenida no subúrbio tem um quê de Copacana nos 60.
O dia é lindo, a vida também é isso que importa. E essa vontade de registrar tudo isso bem registradinho também, que fique claro.
Nem essa paranoiazinha de que tudo não seja tão perfeito assim (nem sua mãe do seu lado enquanto escreve) pode macular-lhe a epifania.
Tudo muito feliz, tudo tão feliz que ele descobre, abobalhado, uma nova e rara risada de Maria Bethânia num cd que ouvira zilhões de vezes ao quadrado. Muito perfeito, pensa, não é possível.
Muito perfeito. Alegria assim as vezes é demais, perigosa. E vicia.

domingo, 26 de outubro de 2008

"É dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lha a vida."

Hoje me estenderei mais um pouco.

Falarei de um livrinho pequenino, daqueles que a gente passa em frente e quase nem vê na prateleira da livraria. Não veria se não se tratasse de um dos livros mais fodas do universo (!!).

Trata-se de "A Hora da Estrela" da Clarice Lispector.



Tá, agora pensas : "tooodo mundo sabe do que se trata esse livro!!". Será?

Como muitos devem saber, essa obra de Clarice é uma grande reflexão sobre o ofício de escrever, tem uma verve metalinguística muito apurada na qual o narrador Rodrigo tece considerações sobre sua atividade e a sua proximidade e distanciamento da anti-heroína Macabéa.

Legal. Mas para mim, a genialidade do texto não se encerra na idéia, muito alardeada nos círculos cults, da metaliguagem de Rodrigo e suas reflexões sobre o ato de escrever. Para mim, a própria narrativa, o desenrolar da história anônima de Macabéa que é a grande sacada de Lispector.

É uma narrativa crua, sem romantismos, sobre uma pessoa que "tanto podia existir como não existir". Macabéa é uma imigrante nordestina como milhares outras, que mora num quartinho no centro da cidade como milhares outros, tem uma vida daquelas que não significam nada, é uma anônima, sem perspectiva, sem futuro. Até quando chega sua hora, sua hora da estrela em que um final perturbado nos impôe reflexões ainda mais aterradoras.

Uma obra com passagens dignas de serem alçadas ao rol de imortais, como:

"Sei que há moças que vendem o corpo, única posse real, em troca de um bom jantar em vez de de um sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de qeum falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém."

..."A Hora da Estrela" vem influenciando diversas produções artísticas pelo Brasil desde que foi lançado em 77, desde o cinema à música e outros textos literários (meu próprio "O Diário de M.R." é um exemplo). Mas dentre os frutos dessa obra-prima, a que mais se destaca, ao meu ver, é um show que a grande Maria Bethânia fez em homenagem à Clarice Lispector completamente imerso no universo da obra. Com o mesmo nome do livro, o espetáculo "A Hora da Estrela" estreou em 1984 e trazia Bethânia (que a própria Clarice definia como "Faíscas no palco") não como Macabéa, mas como a voz que trazia a epopéia dessa anti-heroína nordestina perdida na cidade do Rio. Dirigido por Naum Alves de Souza, o show também trazia Raul Gazolla como Olímpico e Jurema Strafacci como Glória, num espetáculo que, embora fosse centrado na música (algumas compostas por Chico Buarque, Caetano Veloso e Waly Salomão exclusivamente para o show), trazia grande apelo teatral e, embora não tenha sido lançado como disco, fez história na música brasileira e, graças à uma gravação não oficial, podemos disponibilizar aqui.


(para baixar o show A Hora da Estrela, de Maria Bethânia, clique na imagem acima)
.
Enfim, só fiz o texto pra externar minha admiração por esses dois trabalhos primorosos, espero que baixem e gostem do show de Bethânia, o livro é óbvio que eu não vou postar, custa R$ 20,00 em qualquer livraria e, acreditem, vale a pena!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

"Vininha, velho, Saravá!!"



Todos sabem que eu simplesmente AMO o Vinícius de Moraes. Pois bem, hoje a dicasinha não poderia ser melhor: sua Antologia poética em áudio com o próprio poetinha falando!!

Porque melhor do que me ver berrando suas preciosidades é ver como o próprio autor lê o que escreve!

Para baixar a parte 1, clique aqui!
Para baixar a parte 2, clique aqui!

Vale a pena conferir: Soneto de Separação, Poética I, Poética II, O Mais que Perfeito, Soneto do Amor Total e O Poeta Aprendiz.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Oração pelos meninos II



Oh Pai, não nos permita mascarar nossos vícios
e nossas idiossincrasias todas
Nos guie pra longe do triste
e das hipocrisias tolas
Guarde, oh Deus, esses meninos
que voam distraídos no centro da cidade
sem nem saber o nome de tudo o que sentem
Livra-nos, oh Pai,
daqueles que matam, daqueles que oprimem
daqueles que mentem
Ensina-nos, acima de tudo,
a amar.
A amar o amor sereno e "sem fulminação"
dos que não precisam prender para atar.
Nos livre do amor fútil de cada dia
Do vício da má companhia
Nos dê prazer na solidão que,
embora triste
Nos alumia.
____________________________

Essa oração é a segunda parte de um longo e necessário clamor aos céus iniciado por Hudson Pereira, meu poeta ao alcance das mãos preferido. Uma dessas pessoas que se afastam de nossos corpos, mas jamais de nossos corações.

sábado, 4 de outubro de 2008






um complementozinho da postagem anterior!

À Minha Escola


Minha escola querida
ainda lembro
aquelas danças
dos meus tempos de criança
que ficaram na lembrança.
E hoje só vivem
por lá.


O que restou foi a saudade.
Que hoje, atroz, me invade.
Jogado no canto,
meu velho ganzá.


Ontem à noite eu saí pela rua,
á procura do Samba,
sem encontrar.
Meus olhos choraram tristonhos
O que já sabia meu coração:


O chão de estrelas,
o teto de zinco,
-escola querida,
não existem mais não.


21/09/2008 às 23:33.

domingo, 28 de setembro de 2008

A Defesa do Poeta

Ainda com as reminiscências da Poemática, posto esse excerto dessa coisa "felomenal" que recitei na ocasião:


"Senhores sou um poeta
um multipétalo uivo, um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um instantâneo
Das coisas apanhadas
Em delito de paixão
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho
a poesia é para comer!"

-Trecho do texto A Defesa do Poeta, de Natália Corrêa




Eu falando o texto acima.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Ficar feliz de se desesperar
Rir até doer
De tanto amor morrer
Quem disse que há regra em viver?


Sei lá que merda é essa, me ocorreu.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

“Ver é a pura loucura do corpo”

Hoje fui conferir e recomendo!: Clarice Lispector - A Hora da Estrela


Exposição cenográfica que assinala os 30 anos de morte da escritora, falecida em 1977 e de publicação da novela A hora da estrela. Com textos, objetos pessoais da artista, reconstituição de espaços cênicos citados em sua obra e vídeos com entrevistas, a mostra comprova que a autora continua a ocupar, mesmo após três décadas de ausência, um lugar único na literatura brasileira. Com cenografia de Daniela Thomas e Felipe Tassara, a exposição traduz o caráter reservado e intropesctivo da autora, por meio de uma ambientação intimista.
Curadoria: Julia Peregrino e Ferreira Gullar


Texto extraído do Site do Centro Cultural Banco do Brasil, para ver na íntegra, clique na imagem.

domingo, 10 de agosto de 2008

A Cena Muda

Em 1974, Maria Bethânia voltou a trabalhar com Fauzi Arap, que concebeu um complexo, intenso e ousado espetáculo, a começar pela ambigüidade do próprio título, A Cena Muda refletindo que neste show a cantora não recitaria textos, pois era uma época que não se podia "falar" - de terrível censura. Ele tinha como tema central o sucesso, representado pelo ouro do poder e dos alquimistas.
E tome canções de letras fortes para falarem mais que mil palavras. Ia de Chico Buarque, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, várias inéditas de Sueli Costa, Caetano e Gonzaguinha (este gravado por ela pela primeira fez e logo três canções de protesto: "Galope", Gás Néon" e "Desesperadamente") a várias pérolas de cantores do rádio, a quem o LP era dedicado. A Cena Muda é um dos grandes discos ao vivo de Bethânia e um dos espetáculos musicais mais ousados feitos no Brasil. Viva Bethânia!


Clique na Imagem Para Download
.
Simplesmente um dos maiores álbuns que já ouvi. Vale a pena!!




sexta-feira, 8 de agosto de 2008




"Numa tarde te encontrei
E aos poucos, sem nem eu saber
Me envolvi, me perdi devagar
No horizonte sem fim
De você
Aí já passara da hora
Era tarde já, então
Pois do que era pra ser passageiro
Um instante
Um ai
Um verão
Veio tu, que és dono
Senhor
És sesmeiro
Do lugar-comum do meu coração."
.
a long time ago

sábado, 2 de agosto de 2008

Considerações Sobre Quem Acaba de Nascer




"Mas o tempo é como um rio
Que caminha para o mar
Passa, como passa o passarinho
Passa o vento e o desespero
Passa como passa a agonia
Passa a noite, passa o dia
Mesmo o dia derradeiro"





Hoje fui visitar a pequena Ana Beatriz. Três dias de vida e sorri com uma expressividade que falta há muito nesse rosto comum e marcado. Sua mãe - linda pelo abatimento de dar à luz - e seu pai - um homem já, mas sorridente e cuidadoso como poucas crianças - não parecem cônscios do pequeno milagre estendido ali, sobre a cama. Seus grandes olhos escuros esquadrinham o quarto avidamente, como a achar tudo mágico, como a achar tudo lindo e como se fosse muito grave perder qualquer detalhe.Eu devia estar feliz com o nascimento da pequena, e estou. No entanto, uma espécie de nostalgia barata me assalta os pensamentos.
No meio dos risos, das recomendações, das trocas de fraldas, uma urgente constatação me assusta: o nascimento de Ana, uma sentença de vida, reforça minha crescente sentença de morte. Não faz muito tempo que as crianças éramos nós, eu e seu pai, nos conhecendo para jogar fliperama. Não faz muito tempo que éramos nós os embalados calmamente pelos braços cuidadosos da mãe orgulhosa.
Mais um sorriso da graciosa pessoinha, já satisfeita com o leite sorvido sôfregamente dos seios de mãe.Havemos de nos conformar. Cada vez que o tempo passar não olharemos mais nossos rostos ficando velhos e cansados, olharemos a pequena Ana Beatriz crescer e se tornar essa menina linda que com certeza será e isso tornará menos aflito o tic-tac do relógio.Ela, e todos os que nascerem daqui pra frente, trarão a certeza de que é necessário garantir um futuro melhor. Não seremos mais tão narcisistas nem preocupados com o nosso definhar. Nem amanhã, no aniversário de um colega em comum com o pai da menina, teremos claro que mais um ano se passou, com suas vicissitudes todas. Ana Beatriz existe, e o milagre se perpetua.

"Que a dor de nosso tempo
É o caminho
Para a manhã que em seus olhos se anuncia
Apesar de tanta sombra, apesar de tanto medo
Apesar de tanta sombra, apesar de tanto medo"
*Música "O Tempo e o Rio", de Edu Lobo e Capinam

Havia prometido ser feliz hoje.
Fazer o quê?
Tenho provado constantemente minha vocação para decepcionar.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Pág. 02

A hora fria bate e esse vazio torturante do meu peito não passa. Minhas pálpebras pesam, não só pelo escuro em que escrevo mas também pela vontade voraz de fechar meus olhos para sempre e não olhar mais esse mundo que eu entendo demais para que me aceite. Que fazer? Me matar? Já passou pela minha cabeça, mas muito mais de uma forma metafórica. Sou covarde demais até para isso. Na verdade eu queria me suicidar e não morrer. Sim, sobreviver para, além de provar minha imensa inaptidão para qualquer coisa, alguém finalmente reparasse em mim.

segunda-feira, 21 de julho de 2008


"A gente sempre destrói aquilo que mais ama. Em campo aberto ou em uma emboscada. Alguns com a leveza do carinho, outros com a dureza da palavra. Os covardes destroem com um beijo, os valentes com uma espada."


Oscar Wilde


**Ilustração: "Separação"- Óleo sobre tela de Eleuza de Morais

Pág. 01


A luz da Lua penetra sôfrega meu quarto. Um filme triste e bobo fez meu coração diminuir e me pego escrevendo a esmo pequenos poemas tão inconstantes quanto a fumaça do meu cigarro aceso. Não há nada pra escrever. Não brotam aquelas palavras perfeitas pra fechar um soneto. Na verdade, não há palavras suficientes pra traduzir esse vazio, essa pequenez do meu coração.

domingo, 20 de julho de 2008

Prólogo


O que há? O que há além da janela? O que há além dos olhos dela? Essa pessoa mais ou menos feliz que você vê todos os dias mimetizada às esquinas cinzas do centro. O que há? O que há além desse vazio no peito, esse coração amiudado que parece viver numa fina agonia que não passa, mas que não destrói completamente. Esse esgar mudo que, como uma dor de dente, acompanha seus passos, sua rotina.
O que há além da janela? Esses imensos olhos de vidro frágil nos quais ela olha a vida lá embaixo passando incólume pela sua existência. Esse espelho frio levemente embaçado pela fria madrugada que a violenta.
O que há além dos olhos dela? Esses olhos que as pessoas não enxergam, embora vejam todos os dias atrás do balcão, na sala de aula ou passeando perto do CCBB. Na verdade nem era pra doer. Ela também já não enxerga as pessoas. Estuda a história de genocídios sem perceber que ela mesma não passa de uma anônima que bem podia existir como não existir. Exatamente. Ela não percebe que apenas existe. Está longe de viver quando o silencia se impõe, a lua anda no céu e ela rabisca mais uma folha de seu velho diário.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Sob o Cobertor

Rosto com rosto
Corpo com corpo
E um segundo se faz eterno
Em meio aos sons quase inaudíveis
Do torpor de nossos corpos
Eu e você
Iguais
E tão diferentes no amor
Sangue

Suor
E, como um círculo, um laço
Recomeçamos, exaustos
Sem pressa
Sem culpa
Sem medo.

...há muito tempo atrás...

quinta-feira, 15 de maio de 2008


"A sodomia ultrapassa a sordidez de todos os vícios. É a morte dos corpos, a destruição das almas. Este vício possui a carne, extingue a luz da mente. Expulsa o Espírito Santo do templo do coração humano, introduz o Diabo, que incita à luxúria. Induz ao erro, remove completamente a verdade da mente que foi ludibriada, abre o inferno, fecha a porta do paraíso. Este vício tenta derrubar as paredes da casa celestial e trabalha na restauração das muralhas reconstruídas de Sodoma, pois viola a sobriedade, mata a modéstia, sufoca a castidade e extirpa a irreparável virgindade com a adaga do contágio impuro. Conspurca tudo, desonrando tudo com sua nódoa, poluindo tudo. Não permite nada puro, nada limpo, nada além da imundície"


São Pedro Damiani -Liber Gomorrhianus (Livro de Gomorra), 1049

domingo, 23 de março de 2008


"No mundo nada mais existe a não ser o amor. Qualquer que ele seja."

Pablo Picasso

quarta-feira, 19 de março de 2008


"O amor é uma força da Natureza."

Chamada do Filme O Segredo de Brokeback Mountain

Monotonia


A fumaça desenha formas no ar como bailarinas dançando livres no espaço vicioso de um cigarro acesso na ponta de um outro recém-fumado. Maria Bethânia canta alto, com toda força no rádio. A televisão, muda, projeta sombras sobre o tapete vermelho. Jorge Amado, sobre o pequeno banco de plástico branco, me seduz - acabei de ler um capítulo e, como sempre, tenho vontade de lê-lo ávido, de uma vez só, até o final. No entanto me pego pensando em você.
Mais um gole de vinho barato. Seu rosto me volta à memória, aparece e some entre as evoluções da fumaça que parece querer dominar toda a sala. Como você, como a vontade de possuir-te que me devora por dentro inteiro.
“Primeiro você me azucrina, me entorta a cabeça...” Não seria fácil se não temêssemos o que os outros podem pensar?
“Num jogo de culpa que faz tanto mal...” Acabo de pensar em seu último gesto. Um gesto de negação. Terias negado a mim, a ti, a nós dois ou o que há de mais íntimo e precioso, a felicidade?
“E esta vida da gente gritando que não...” Desisto de me martirizar, acho que você vale toda vergonha, todos os olhares atravessados e nosso amor sendo tachado de anormal, no entanto não sou capaz de aceitar sua hesitação, sua covardia.
Poderia agora encostar minha cabeça em seu ombro e deslizar lentamente meus dedos por sobre seus músculos cansados e dormir com a certeza de sermos normais, apenas mais um casal apaixonado. Acendo mais um cigarro. Sou apenas um homem, mais um. A beleza da humanidade é a singularidade do indivíduo. Talvez o que não perdôo em você é me fazer pensar que sou errado, justamente onde o certo e o equivocado não existem. Silêncio. O CD acabou meu vinho também. Desligo a TV. Pego Os Pastores da Noite, a fumaça me inebria. Mergulho nas desventuras da Bahia de Todos os Santos e dentro de mim rogo a eles que te abram, suavizem o coração.

Numa onda meio tristonha em 30/12/05.

terça-feira, 18 de março de 2008

O outro lado







Hoje o conteúdo vai ser meio diferente. Estive pensando cá do meu ladinho em qual, diabos, seria a utilidade dos blogs - se é que existiria uma.
Foi aí que eu lembrei de uma das minhas discussões quando militava mais ativamente no movimento de cultura no Rio de Janeiro, andara em muito em voga as questões referentes à resistência cultural e a defesa da mídia independente. E os blogs vêm colaborar grandemente nesse sentido.

Para além das obviedades da resistência cultural que desempenham os blogs de poesia, por exemplo, (como é, também, o caráter do meu blog e que não deixam de ser importantes), hoje eu gostaria de deixar aqui para quem quer que porventura leia isso a reflexão sobre a mídia independente, libertária, que serve de contraponto a mídia oficial, mentirosa e unilateral.
Acho importante que nós, Brasileiros, tenhamos claro que não é com edições falaciosas ( a exemplo da Veja, só para ilustrar) que construiremos um país instruído e crítico. Essa fabricação do senso comum que esse tipo de publicação sugere não reflete a realidade do Brasil, embora insistam em enfiar-nos goela abaixo suas posições esquizofrênicas sobre tudo e todos.
Sem quere me estender (esse assunto rende ALGUNS tratados),acho que vou deixar aqui algumas links interessantes. São poucas, por enquanto, mas vou ver se eu organizo aqui ao lado algumas sugestões de leitura para quem se interessar. E, quem sabe, com leitores um pouco mais perspicazes e críticos a gente muda essa pouca vergonha toda.
Por enquanto é só.
Beijos a quem é de beijos.


sexta-feira, 14 de março de 2008

Sem explicação

É incrível como essas pequenas epifanias cotidianas nos assaltam sem mais nem menos e acabam por nos despejar algumas doses de filosofia barata que mais parecem tiradas de um livro desse de auto-ajuda. Bem, acabei de voltar, pra variar do bar. Encontrei por lá um grande amigo e, conversando, acabei por constatar o óbvio mais uma vez: eu gosto de sofrer. Não cabe aqui dizer o porque da conclusão. Talvez poucos tenham coragem de dizer verdades óbvias como essa, mas eu que orgulho de ser sempre o avesso do avesso, assumo minhas paixões, dependências e defeitos sem fazer como uns e outros por aí que não hesitam em jogar a culpa de suas frustrações e infelicidades em cima dos outros.
Temos que estar cônscios de que as perdas e as conquistas pertencem exclusivamente a nós mesmos. Eu, com esse meu lado semi-massoquista, compro os riscos e parto pro bar ou seja pra onde for que se encontre meu objeto obsediado, mesmo sabendo que a noite pode vir a ser uma tragédia grega.
Mas eu gosto, com o tempo aprendi a saber que eu simplesmente não me encaixo. Sou inteligente demais pra ser burro, ignorante demais pra ser intelectual, gay demais pra ser hétero, macho demais pra bicha, amigo ao invés de amante, romântico demais pra ser insensível, decidido demais pra me acovardar, acomodado demais pra mudar deveras...etc, etc.
Simplesmente não me encaixo. Sou mais uma "Charada Sincopada que ninguém da roda decifra nos serões da província", como disse Pessoa.Alguém que, por mais que se aproxime de vários estereótipos- e, talvez por causa disso- não pertenço completamente a nenhum grupo fecahdo.Sou fugidio demais até pra eu mesmo.
Em tempo: a noite não terminou em uma tragédia grega, graças ao meu outro talento, o de me adaptar. Termino o post com José Régio, falando meu mote pessoal.

Cântico negro
José Régio

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!



**Leia ouvindo "Estranha Forma de Vida" com Maria Bethânia

terça-feira, 11 de março de 2008

Invocação


Senhor dos entendimentos
E dos que andam a sós pela noite
Pai de toda sombra
E mestre do manto noturno
Dono de toda fala e de todo ouvir
Quando tu passas instaura-se o caos
E quando o queres a ordem e a paz
Tu és aquele a quem as divindades pedem licença
Tu és aquele de que se treme ante a simples presença
Trazes em ti o mal e o bem
A claridade e o breu
Num eclipse eterno
Trazes a vingança do pai
Trazes o ódio materno
Mestre da inverdade e do fato
Mestre de toda infâmia e desalento
Espírito de luz de alma divina
E ao mesmo tempo humana
Oh senhor deus das encruzilhadas
E dos dúbios descaminhos
Vigias minhas passadas
E dobra meus inimigos
Observas de cada esquina
O que vai em meu coração
Pois a ti pertence o poder
Oh deus da escuridão.




Matheus Rodrigues

segunda-feira, 10 de março de 2008


Não me culpe, oh meu bem
Pela breve duração do nosso amor
Acontece, nada é eterno
Só não me guarde raiva
Ou rancor
Meu espírito é livre
E nenhum quarto o prenderá
A vida me chama agora
E nem o seu drama
E nem sua cama
Vão me segurar
Olha, é melhor acabar por aqui
Eu sei, meu amor, não é fácil
Competir com o jogo ou o bar
Eu errei contigo, confesso
Mas não queria te magoar
Nada disso é tão complicado
É simples até
Eu vou te explicar
Ouça, benzinho
Até logo
Se doeu, não era pra durar.
Matheus Rodrigues

domingo, 9 de março de 2008

Início


Às vezes eu me pergunto a razão de escrever, na verdade de produzir qualquer coisa com pretensões artísticas. A vida é tão rápida e exige tanto de nós que isso, por vezes parece-me inútil (e não uma inutilidade romântica como pretendia Oscar Wilde). Além do mais, vivemos numa época da total falta de gênio, da mais absoluta mimetização das pessoas com as coisas que possuem - ou as possuem-, enfim, numa época sem grandes aspirações. Somando-se a isso minha clara falta de talento, pergunto-me: pra que tudo isso?
A vida é efêmera, frágil e, no fim de tudo, sem significado, um sem-fim de dificuldades e batalhas muitas vezes vãs. Um estúpido fato que nos faz até sentir vergonha de nos ocuparmos com um monte de baboseiras como, por exemplo, a arte.
Às vezes é dilacerante ao coração jovem perceber a inércia do mundo. Quando, à noite, deito em minha cama exausto de mais um dia, me pergunto: por que?
Aí me vem a resposta, talvez seja somente por isso, tentar captar esse instantes de pura subjetividade, essa ânsia feroz de viver tudo o quanto há pra viver nesses tempos difíceis, nessa vida de aspereza atroz. Usar de toda essa pseudo-inspiração para nos libertar, poetizar, musicar, transmitir o que há de bom e mau em mim. Ou apenas tornarmo-nos mais humanos. Se será relevante eu não sei, mas já é um começo.

“Toda arte é completamente inútil.”
Oscar Wilde